... e deixaram-na entregue aos lavradores da primeira aldeia que toparam. A aldeia demorava às abas do Monte Córdova, serra que se empina e ondeia com as fragosissimas encostas até à vila de Santo Tirso.
In A Bruxa de Monte Córdova, pp 178-Camilo Castelo Branco

25 de abril de 2012

25 de Abril, valerá a pena comemorar?

Lá fora a chuva cai, cai forte, tem estado persistente e demasiada durante a manhã prejudicando as "novidades" plantadas estes dias. E dizer que ainda há poucas semanas todos ansiava-mos por um pouco de chuva.
A televisão está a emitir imagens do passado distante com 38 anos...os sonhos que então vivemos e foram tantos! Sobre o som da televisão ouve-se bater ao portão. Com este tempo, quem será? É a Rosa "galhofa" com um xaile negro pela cabeça, na tentativa de se abrigar da chuva e com um galo bem seguro debaixo do braço.

Mulher idosa, muito para cima dos 80 anos, conhecida por vender galinhas e se deslocar a pé para as feiras dos concelhos vizinhos, percorrendo distancias consideráveis com a cesta das aves  à cabeça. Foi sempre este o seu modo de vida, vender as galinhas que cria no seu quintal a  par de alguns trabalhos de lavoura que fossem surgindo.
Raramente a temos visto. O seu aspecto é cada vez mais de definhamento, sempre de negro vestida, de rosto cadavérico e muito, muito curvada, num claro denunciamento de vida áspera, difícil e ausente de conforto. Sem rodeios pergunta se lhe queremos comprar o galo, bem preso entre as mãos nodosas com artroses bem visíveis. Claro que sim, foi a nossa resposta, sem discussão de preço.E assim foi feito o negócio.
Em jeito de despedida perguntamos-lhe se precisava de alguma coisa. -Não, o que eu preciso mesmo é dos meus medicamentos e agora já tenho algum dinheiro para os comprar, enquanto espero pelo dinheirinho da reforma, disse ela.
Depois de recuperados do pasmo proporcionado pela revelação espontânea da Rosa lá conseguimos saber que a sua magra reforma não chega aos duzentos euros e grande parte são gastos em remédios... Viver num lar de idosos? -Não, menino António ( vá-se lá saber porque me trata assim, apesar da visível calvície ), não tenho dinheiro para dar.... querem dinheiro que não tenho... vamos andando enquanto Deus quer... E sem mais fez-se à chuva, talvez para a solidão da sua casita, talvez em direção da farmácia, indiferente a tudo, principalmente, ao que representa o dia de hoje, 25 de Abril que para ela não chegou nem chegará.
Quantos e quantos quadros representativos  como este do viver em Portugal se passarão em todo o país!!!
Os políticos e governantes(?) nos últimos anos têm vindo a deitar pela janela o estado social, têm vindo a matar o país e os sonhos que vivemos em 25 de Abril de 74. Valerá a pena comemorar?

5 comentários:

  1. Seria óptimo poder comemorar o 25 de Abril se os seus ideais tivessem sido cumpridos pelas sucessivas gerações politicas! Aqueles que fizeram o 25 de abril (os militares), esses seguramente, ficaram muito melhores! Mas para os outros, excepto politicos e capitalistas, a esperança depressa transformou o 25 de abril em mito; Aquilo que era mau passou a bom; e aquilo que era bom depressa passou a mau! A maçonaria comprou a nossa liberdade ao desbarato, e instalou a sua própria ditadura em silencio!
    25 de Abril, SEMPRE... e não apenas em 74!!!!

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  2. Olá António,

    Como eu costumo dizer o país é reflexo dos politicos que temos!
    Infelizmente.

    Um abraço

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  3. Vale sempre a pena.
    Quando a alma não é pequena.
    E a nossa é grande, carago!!
    beijinho

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  4. infelizmente no Portugal profundo como costumam dizer os nossos jornalistas da TV sempre bem vestidos, há muitos retratos destes de pessoas a viver assim, e pior, basta dar uma volta pelos montes do Alentejo.

    Mas na minha opinião o 25 de Abril deve ser sempre recordado.
    Abraço.

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  5. Gostei muito do seu texto.

    Penso que vale sempre a pena recordar a enorme alegria e esperança que tivemos nessa data. Muitos nunca terão essa vivência que eu não perderia por nada, embora agora doa enfrentar a desilusão do que é.

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